O Ayurveda é um dos sistemas de saúde mais antigo da humanidade, por isso é preciso ter em conta que na época em que esta medicina se desenvolveu não existia poluição, telemóveis, eletricidade, nem os meios de transporte que atualmente estão disponíveis.
Nos textos de base do Ayurveda não vêm mencionadas palavras como cancro, carcinomas ou outras usadas atualmente. Por isso, é preciso procurar semelhanças nas descrições das patologias, o que torna o trabalho difícil e demorado, pois estes textos eram muitas vezes escritos de forma codificada.
No conceito ayurvédico, de acordo com as obras escritas Charaka Samhita e Sushruta Samhita, o cancro é descrito como um processo inflamatório ou não inflamatório. Nestas obras encontram-se as palavras “Granthi”, que pode ser traduzida por neoplasia menor, e “Arbuda” que significa neoplasia maior.
Um dos textos do Charaka Samhita, o Sutrasthana, capítulo 1.57, diz que “a causa de todas as patologias se deve aos três doshas: Vata, Pitta e Kapha”.
O Ayurveda fala em três humores biológicos conhecidos por doshas. A palavra dosha pode traduzir-se por aquilo que se que altera, ou seja os elementos que estão em permanente mudança. Também pode ser traduzida por “aquilo que obscurece” ou “danifica”, neste caso refere-se ao desequilíbrio dos elementos que pode originar a doença.
Os doshas dividem–se em três:
VATA é a combinação do elemento éter (espaço) e ar, representa a força por trás dos outros dois doshas (Vata é aquele que move as coisas). É responsável por equilibrar a energia, a respiração, o movimento, a perceção, o pensamento e a força de vontade.
Por exemplo: quando o ar não está limitado pelo espaço (como no oceano aberto) em determinados momentos pode formar-se um furacão.
O ar confinado a uma caixa não se move, então fica estagnado.
PITTA, o dosha da força da vida, resulta da combinação de dois elementos, a água e o fogo, simbolicamente significa transformação.
A natureza de transformação de Pitta (aquele que digere) pode ser observada no corpo, nas enzimas do sistema digestivo e nas hormonas do sistema endócrino que governam o metabolismo. Na mente, o dosha Pitta transforma os componentes químicos e elétricos em pensamentos.
O balanço do fogo e da água é vital. Quando não existe água suficiente na panela, o fogo queima tudo o que está no interior. Mas se a panela tiver água a mais, ao ferver, a água transborda para fora e apaga o fogo.
Kapha é a força que combina os elementos água e terra. Kapha (aquele que une) tem a função de lubrificar e nutrir.
Estas três forças (doshas) Vata, Pitta e Kapha estão sempre envolvidas num movimento dinâmico, não só no corpo e na mente humanas, durante toda a vida, mas também no Universo.
Na teoria do Ayurveda, os três doshas são os responsáveis por manter o equilíbrio da fisiologia. Isso implica o gerir os sistemas do corpo, as suas funções e, especialmente, a comunicação entre os diversos processos do corpo humano. Pode afirmar-se que o Ayurveda se baseia na ideia de que o corpo humano interage continuamente e a todo o momento com fatores internos e externos que exigem mecanismos constantes de mediação, comunicação e controle para manter a homeostase.
Assim, pode avaliar-se a qualidade da saúde de uma pessoa pela capacidade que o organismo tem de manter o seu equilíbrio ou, seja, de se adaptar aos estímulos externos e internos. Desta forma, coloca várias funções em ação, permitindo que o sistema imunitário responda de forma apropriada às diferentes circunstâncias.
No ponto de vista do Ayurveda, qualquer matéria ingerida (líquida ou sólida) que não é digerida ou eliminada corretamente, compromete a homeostase normal. E aqui, estão incluídos, não só, os alimentos físicos, mas vários fatores como o stress, as emoções, a ansiedade… pois estes podem alterar toda a parte enzimática e comprometer a realização da digestão.
O termo Ayurvédico para qualquer produto que não é bem digerido ou eliminado, é ama. Esta matéria não digerida é absorvida pelo intestino e transportada pela corrente sanguínea. Este processo de acúmulo é lento e permite que a matéria não digerida seja depositada em qualquer local do organismo pelo sistema circulatório, geralmente num órgão ou sistema fragilizado (dushia), por motivos genéticos ou de idade. O acúmulo de ama ou matéria não digerida impede a função correta do dosha.
A presença física de toxinas/matéria não digerida (ama) compromete a comunicação entre os sistemas e as suas funções, o que por sua vez resulta no depósito de substâncias externas nos tecidos, células e órgãos. Isto cria uma homeostase limitada e gera um ambiente propício ao crescimento de células cancerígenas.
Quando a homeostase fica comprometida, as células cancerosas deixam de ser controladas pelo sistema imunitário, o que possibilita a sua proliferação. Este processo é acelerado pela presença física de matéria não digerida, pois reduz ainda mais a comunicação entre os sistemas e as várias funções do organismo.
O Ayurveda enfatiza a capacidade que cada pessoa tem de superar fatores de stress, físico ou mental, a que dá o nome de baala. Este divide-se em dois, o que nasce com a pessoa e o que é adquirido. O que nasce com a pessoa pode ser modificado pelo estilo de vida ou pelo envelhecimento. O que é adquirido depende dos hábitos diários.
Outro conceito importante, ojas, a essência primordial inerente a cada pessoa. Ojas pode ser definido como a forma refinada com que as células extraem os nutrientes através do correto metabolismo dos alimentos, em processos enzimáticos a nível celular.
Ojas é uma energia subtil, que até ao momento não tem correspondência na medicina moderna, mas que pode ser equiparada ao sistema imunitário para melhor entendimento. Esta energia apoia a força primária, baala, assim como todas as estruturas do organismo garantindo o bom funcionamento de órgãos e tecidos.
Outro fator muito importante é o conceito de agni. O Ayurveda dá um relevo especial a este conceito, pois é a primeira linha de defesa do organismo. Agni é considerado a força metabólica enzimática e o poder de transformação.
No Rigveda, o primeiro verso começa por:
“Eu glorifico o Agni, o sumo sacerdote (…), e ele possui grande saúde.”
Existem 13 formas de agni, o primeiro ,jatharagni localiza-se na parte inferior do estômago, duodeno e intestino delgado. Qualquer produto externo, seja líquido ou sólido, tem que passar esta barreira enzimática para ser assimilado.
O segundo agni, chamado de bhuthaagni, localiza-se no fígado e é dividido em 5 grupos de enzimas. Este agni previne a chegada de qualquer forma patogénica aos pulmões e a sua entrada na corrente sanguínea.
O terceiro agni, chama-se saptadathuagni e é constituído por sete grupos de enzimas a nível celular com funções especificas, que incluem o sistema linfático e sanguíneo, o tecido muscular, o tecido adiposo, o tecido ósseo, o tecido nervoso e o tecido reprodutor….
Para o Ayurveda, o sistema imunitário depende do bom funcionamento de 21 fatores: 3 doshas (Vata, Pitta e Kapha); 2 formas de baala, genético e adquirido; 2 formas de ojas, genético e adquirido; 13 formas de agni e ama. Assim, pode perceber-se a complexidade de respostas em que o organismo está envolvido e o número de sistemas inerentes.
Conclui-se, desta forma, que a homeostase é responsável pelo correto desenvolvimento e funcionamento de baala, ojas e agni. Quando dois destes elementos, baala e ojas, estão comprometidos o sistema imunitário sofre. Se a parte enzimática não está a funcionar bem, há um aumento de substâncias não digeridas, ama, o que por sua vez afeta o sistema imunitário.
Com o sistema imunitário comprometido, as células cancerígenas encontram um terreno propício para o seu desenvolvimento, o que faz com que baala perca a sua força e, por sua vez, ojas, causando mais degeneração e proliferação das células cancerígenas.
Nesta fase, o diagnóstico e o tratamento são mais complicados, pois a matéria não digerida, ama, pode estar em qualquer parte do corpo devido ao tempo envolvido na sua expansão e circulação no sangue.
Abordando a diversidade de cancros consoante o dosha:
Como referido anteriormente, dosha significa aquilo que decai. Pode dizer-se que a partir do nascimento, o corpo começa a perder algumas qualidades até ao dia em que deixa de ter a capacidade para se reestruturar.
Assim, qualquer doença é causada, pelo menos, por um dosha. No caso do cancro, os três doshas estão envolvidos, o que torna o seu tratamento muito difícil e complexo.
Pode estabelecer-se uma linha de pensamento de acordo com o Ayurveda, para avaliar a dificuldade do seu tratamento:
Desta forma, conclui-se que quanto maior o número de doshas envolvidos, mais difícil é o tratamento.
Qualquer tipo de cancro que seja volátil, migre ou seja variável em qualquer aspeto, está relacionado com o dosha Vata, que controla a comunicação, o movimento e a coordenação. Vata governa o colon, a bexiga, os ossos, os pulmões, a pele, os ouvidos e o cérebro.
Quando o cancro está localizado no sistema metabólico, enzimático, sanguíneo, está relacionado com o dosha Pitta, que governa o princípio da homeostasia e controla o metabolismo e a transformação. Pitta governa o intestino delgado, o fígado, a vesicula biliar, o coração, o pâncreas, o sangue (hemoglobina), as glândulas endócrinas, o útero, o estômago, as glândulas sudoríparas, a pele, os olhos e o cérebro.
Quando o cancro é lento a manifestar-se e se apresenta na forma de tumores ou problemas de congestionamento, está relacionado com Kapha, pois este gere o princípio da lubrificação e da estrutura. Kapha rege os pulmões, o estômago, os testículos, os ovários, o sistema linfático, incluindo o tecido mamário, os rins, o plasma, as glândulas sudoríparas, a pele, a boca, a garganta, a medula óssea e o cérebro.
Quanto maior for o número de estruturas ou de doshas envolvidos, mais difícil é o diagnóstico e o tratamento.
A partir destas informações e de técnicas de diagnóstico específicas do Ayurveda, como por exemplo, o pulso e a língua, consegue-se compreender qual ou quais os doshas envolvidos e, a partir daí, definir o tratamento a realizar de acordo com os fatores causais.
Charak e Hipocrates diziam “Antes de tratar alguém pergunta-lhe se é capaz de deixar as coisas que lhe fazem mal”.
O tratamento começa por corrigir o estilo de vida e os hábitos alimentares, complementado com fitoterapia, para que a matéria não digerida (ama) seja eliminada do trato digestivo e a energia (baala) aumente. Assim, o sistema imunitário começa a responder, o que por sua vez restabelece a homeostasia, melhorando a assimilação dos nutrientes ao nível celular, aumentando ojas. Isto reflete-se numa melhoria substancial da atividade enzimática das células e na eliminação de ama do sistema circulatório, o que permite a remissão das células cancerígenas e da sua proliferação.
A medicina Ayurveda divide-se em quatro categorias: Prakritisthapani Chikitsa (manutenção da Saude), Rasayana Chikitsa (terapia de rejuvenescimento), Roganashani Chikitsa (cura da doença) e Naishthiki Chikitsa (abordagem espiritual).
Cada uma destas áreas tem uma lista de procedimentos, neste caso vamos abordar Roganashani Chikitsa (cura da doença). Dentro desta categoria há uma especialidade chamada Panchakarma (cinco acções), que talvez seja um dos maiores legados que os Richis nos deixaram.
O Panchakarma divide-se em cinco partes, de acordo com a visão de Charak: vamana (vómito terapêutico), virechena (diarreia terapêutica), bastisnehana (enema com óleo), basti niruha (enema com decocto de plantas) e nasya (colocação de substâncias através do nariz). Sushruta, que era médico cirurgião, classificava os bastis numa só categoria e acrescentava raktamoksha (sangria), a seguir ao nasya.
Este método, o Panchakarma, tem a capacidade de remover a matéria não digerida, ama, dos tecidos e das células. Os sábios perceberam que ama é lipossolúvel.
Pode comparar-se este procedimento a uma cirurgia, com uma fase pré-operatória, chamada de purva karma, em que há a preparação da pessoa, desintoxicando-a, aumentando baala, a sua capacidade mental e ojas. Esta fase envolve uma alimentação especifica adequada cada pessoa, massagens, sauna e administração de óleo, de forma a que este penetre em todas as camadas celulares.
Em seguida, inicia-se a segunda fase que pode ser comparado ao ato cirúrgico, designada de pradhankarma. O primeiro ato cirúrgico é vamana, a indução do vómito terapêutico, para que toda a matéria não digerida que se encontra no estômago seja expurgada.
Após este tratamento, a pessoa faz uma dieta especifica de acordo com apatologia e o seu dosha dominante, durante 7 a 15 dias. Depois, inicia-se o próximo ato.
O segundo ato chama-se virechana. É precedido por massagens, sauna e saturação com óleo medicado, quando o paciente está saturado procede-se ao ato em si. É dada uma preparação de forma a provocar uma limpeza ao fígado, a que se segue um período de recuperação de 7 a 15 dias.
Os vários atos são sempre feitos com intervalos de 7 a 15 dias.
O terceiro e quarto atos são designados por basti – ou enema medicado: anuvasana ou snehana basti, feito com óleo, e o niruha basti, feito com decoctos de plantas.
O quinto ato chama-se nasya e consiste na introdução de substâncias pelas narinas. Este tratamento vai atuar em todas as patologias do pescoço e cabeça.
Raktamokshana, consiste na retirada de uma pequena quantidade sangue. Sushruta considerado pai da cirurgia, dá muita importância ao sangue. Ele considera que o sangue é o quarto dosha no corpo. Ou seja, o sangue puro é um criador de vida, enquanto o sangue impuro cria doença e espalha-se pelo corpo, devendo por isso ser retirado.
Após os procedimentos de Panchakarma segue-se o período pós-operatório, sansarjanakrama, que consiste num regime alimentar apropriado de forma a estimular o agni e a tonificar o corpo.
Naishthiki Chikitsa, a abordagem espiritual, é um tema interessante, pois a medicina Ayurveda não defende nenhuma religião, mas incentiva a prática diária de meditação, de yoga e o respeito por todas as formas de vida desde a mineral ao ser humano. Considera fundamentais:
Por último, deixo aqui uma frase da Madre Teresa de Calcutá “o mundo atualmente tem tudo demais, menos amor e dar”.
Fonte: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3111701/
Para mais informações contactar um Profissional de Medicina Ayurveda ou Yoga
Autor: Joaquim Jorge