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A Depressão e o Ayurveda

O mundo debate-se cada vez mais com doenças do foro mental, estas tiveram um aumento exponencial após o lockdown provocada pelo Covid-19.

O Relatório Mundial de Saúde Mental de 2022, divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) nesta sexta-feira (17), traz dados alarmantes sobre a piora dos transtornos mentais em todo o mundo, com aumento superior a 25% dos novos casos de depressão e ansiedade.

Apenas no primeiro ano da pandemia de Covid-19, 53 milhões de pessoas desenvolveram depressão, outros 76 milhões tiveram ansiedade — totalizando 129 milhões e altas de 28% e 26% da incidência, respectivamente.”

Fonte:https://noticias.r7.com/saude/oms-129-milhoes-de-pessoas-no-mundo-desenvolveram-depressao-ou-ansiedade-em-um-ano-17062022/

 Neste artigo vamos abordar a Depressão segundo o ponto de vista da Medicina Ayurveda.

Podemos dividir a depressão em várias categorias:

– Depressão maior,

– Distimia,

– Depressão atípica,

– Depressão pós-parto,

– Distúrbios afetivos sazonais,

– Tensão pré-menstrual,

– Pesar

Podemos constatar vários fatores causais, como por exemplo:

– Fatores psicossociais,

– Fatores biológicos,

– Fatores físicos (traumatismos),

– Outros fatores relacionados com o desenvolvimento de depressão

A vida moderna e a sociedade actual têm alterado de modo profundo o sistema de vida cotidiano. Estas alterações levaram a uma sobrecarga, não só do corpo físico, mas também do sistema nervoso. Da mesma forma, a pressão exercida nas profissões tem vindo a aumentar, com muitos compromissos, e muitas vezes não temos o tempo necessário para recuperar a energia após o esforço despendido. Adicionalmente a estas questões, uma alimentação com horários irregulares e por vezes deficiente, a falta de serenidade mental para estarmos em paz connosco e na hora da refeição, agravam ainda mais esta situação.

Todas estas questões vão somatizando, causando índices de stress e o desgaste de determinados tecidos corporais (dhatus).

O conceito de saúde do Ayurveda é bastante holístico e muito completo, se observarmos este texto escrito à milhares de anos em sânscrito:

Sama Dosha Sama Agnish Cha

Sama Dhatu Mala Kriya

Prasanna AtmaIndriya Mana

SwasthaIti Abhidiate

Sushruta Samhita

Como podemos observar neste verso em Sânscrito, o Sábio Shushruta divide o conceito de saúde em 2 partes: a saúde fisiológica e a saúde psicológica. Se traduzirmos:

Os DoshasVata, Pitta e Kapha em harmonia, com o metabolismo equilibrado

Os tecidos nutridos apropriadamente e as excreções eliminadas corretamente

Harmonia entre a alma, os sentidos e a mente

Então, se conquista a saúde.

O Ayurveda tem o conceito de transformação subtil dos tecidos. Neste ponto de vista, quando os tecidos se formam, como o tecido muscular, o tecido adiposo, ósseo e os outros, forma-se paralelamente um aspeto mais subtil, que é o aspeto psicológico. Daí o Ayurveda dar tanto enfâse à alimentação e à digestão.

Dhatu

Tecido

Efeito Psicológico

Rasa

Linfa

Contentamento

Rakta

Sangue

Entusiasmo

Mamsa

Músculo

Coragem

Meda

Gordura

Amor

Asthi

Osso

Estabilidade

Majja

Nervoso

Compaixão

Shukra

Reprodutor

Libertação das emoções

Assim, podemos perceber que a digestão do que comemos tem também um impacto, não só nos nossos tecidos corporais, mas também na construção do lado psicológico.

Hoje podemos observar muitas pessoas com uma magreza extrema, com dietas exageradamente baixas no uso de óleos ou a serem submetidas a operações para conseguirem o corpo ideal, influenciadas pelos mass media. Uma dieta sem óleos é mais prejudicial do que não fazer dieta nenhuma e a falta de gordura física e cerebral cria atritos e fricções, não só a nível mental, mas também nas relações pessoais, levando ao aumento do dosha Vata e Pitta (aumenta a energia do calor de Tejas), consumindo Ojas. Isto dá origem à depressão de Vata.

Pois para o Ayurveda, existem vários tipos de depressão: Vata e Kapha.

A depressão Vata carateriza-se pela pessoa, em que predominam os elementos ar e éter, esguia, com magreza extrema, falta de apetite, que gosta de se isolar muitas vezes em locais com pouca luz, tendências autodestrutivas, tristeza profunda, podendo ser alternada com picos de excitação ou uma ansiedade exagerada.

Por outro lado, temos outro padrão ligado ao biótipo Kapha, onde predomina o elemento água e terra, aquela pessoa que muitas vezes se sente humilhada pela sociedade, pelo excesso de peso ou por não ter o corpo que pensa ser o ideal, pois a sua caraterística é ser um pouco mais forte que a média, podendo apresentar-se alta ou baixa.

Muitas vezes procura nos doces, chocolates ou outros alimentos, o consolo psicológico que precisa. Pelos erros alimentares e a falta de metabolismo (agni), a pessoa acaba por ter pena dela própria, levando a um excesso de pensamentos que consomem toda a sua energia mental, levando ao esgotamento e autocomiseração.

Atualmente, a depressão é uma doença que se vem instalando na sociedade moderna de uma forma silenciosa.

Se formos honestos connosco mesmos, quem não passou por algum momento de depressão? Horas, dias, meses?…

Esta doença caracteriza-se por:

– Baixa autoestima,

– Perda de interesse,

– Dor sem causa definida,

– Por vezes manifesta-se com delírios e alucinações.

Cada caso é um caso, mas segundo estudos clínicos esta doença tende a repetir-se ciclicamente em algumas pessoas ou, nalguns casos, os sintomas são crónicos.

A ciência atual atribui a causa desta doença a vários fatores, desde genéticos, a ambientais, psicológicos, ao consumo de drogas ou de certos medicamentos.

A medicina alopática tenta resolver estas questões com aconselhamento psiquiátrico e medicamentos antidepressivos, mas muitas vezes não há eficácia ou o tratamento é muito demorado.

Esta doença geralmente manifesta-se entre os 20 e os 40 anos, sendo os países desenvolvidos os mais atingidos, com cerca de 15% dos casos, e os países em vias de desenvolvimento com cerca de 11%. A taxa de incidência é duas vezes maior nas mulheres do que nos homens.

Atualmente, tem vindo a emergir um novo segmento da sociedade com depressão, que engloba as crianças e os adolescentes. Devido, muitas vezes, a questões de bulling, a metas exigentes nos estudos e ao excesso de horas em contacto com as novas tecnologias (redes sociais, telemóvel, jogos de computador,…).

Segundo o Ayurveda, existem 3 energias mentais: sattva, rajas e tamas, que se podem considerar os doshas da mente.

Sattva é o estado de harmonia e paz.

Rajas é ação, paixão, movimento.

Tamas é a inércia, a obscuridade, a falta de discernimento.

Podemos comparar estas 3 energias mentais aos 3 biótipos físicos,VataPitta e Kapha.

Vata é a força primária do sistema nervoso, que governa o equilíbrio sensorial, fisicamente são pessoas esguias, altas ou baixas, com os atributos: leve, frio, seco, áspero, subtil e móvel.

Pitta é responsável pelas transformações químicas e metabólicas do corpo, pessoas com mais calor corporal, competitivas, de estrutura média, com os atributos: penetrante, quente, leve, móvel, líquido, ligeiramente oleoso e com odor desagradável.

Kapha dá suporte, nutrição e é responsável pelo suporte emocional, carateriza-se por uma pessoa calma, com estrutura forte, ossos e músculos bem formados, podendo ser alto ou baixo, com os atributos: húmido, frio, pesado, lento, oleoso, suave, firme (estático).

As 3 energias de Sattva, Rajas e Tamas formam um bailado ou biorritmo dentro de nós, mas quando em desequilíbrio provocam os desequilíbrios mentais. Podemos comparar, aquela pessoa que tem uma vida com excesso de atividades ou excesso de estímulos, sejam eles físicos, mentais, ou sensoriais, provoca o aumento de Rajas, esgota a sua energia e entra em Tamas. Devido a isso vai precisar de descansar para poder recuperar.

Podemos considerar que pessoas que tem demasiados estímulos, que bebem demasiado café, chá preto ou qualquer outro estimulante, podem aumentar o estado de Rajas,o que por sua vez tem tendência a conduzir ao estado de Tamas.

Muitas vezes a depressão é causada pela somatização de traumas emocionais, que podem ter origem há 2 horas atrás ou há 2 décadas atrás. O nosso corpo emocional não tem o conceito de tempo e esses traumas podem ser despoletados em qualquer altura. Se a pessoa não parar algum tempo para refletir, com práticas de meditação ou alguma forma de arte, como a pintura, a escrita, a dança, estas emoções tornam-se tóxicas e vão minando a nossa energia mental, levando ao esgotamento.

As circunstâncias mentais, como já referido, o stress, o trabalho, a perda do sentido da vida, estados de abuso emocional, problemas financeiros e outras, são causas de desgaste. Devemos saber parar e aprender a gerir todas estas questões.

Podemos considerar as emoções como um dos fatores mais tóxicos para o corpo e a mente. Segundo Buddha, o apego, tanto material como emocional, traz sofrimento e provoca uma tortura constante. Praticar o desapego, termos em conta que nada é permanente, que tudo está em mudança, é a forma correta de olhar para o mundo e o apreciarmos.

Ter uma atitude positiva faz toda a diferença, pois as emoções são dos fatores que mais provocam distúrbios na nossa digestão, seja ela mental, emocional ou física.

Temos aqui outro fator, Sadhaka Agni (energia mental) fraco é responsável por uma fraca digestão das emoções. Então, podemos considerar o Sadhaka Agni como a força da inteligência emocional, ligado pelo Manovaha Srota (canal que faz a ligação do coração ao cérebro), ou seja, a inteligência do coração em harmonia com o cérebro.

O Sadhaka Agni influencia as neuro-hormonas ligadas às células do cérebro, da medula espinal e do coração. As neuro hormonas do coração enviam sinais ao cérebro para registar as experiências vividas como agradáveis, depressivas ou como qualquer outra emoção.

Bom, até ao momento verificámos que há uma série de fatores intervenientes, podemos comparar a uma peça de teatro em que cada ator tem uma função. Os nossos atores são os doshas (Biótipos) e os gunas (qualidades mentais), o teatro é o corpo e o palco é o cérebro.

Como actuar?

Yukti Vyapashraya – redução dos doshas, utilizando a terapia dos opostos, a fitoterapia e terapias de panchakarma e rasayana.

Através do diagnóstico ayurvédico analisa-se a constituição da pessoa (prakriti) e o seu desequilíbrio (vikriti). A partir daqui estabelece-se uma linha de pensamento que começa por definir uma rotina diária (Dinacharya), com exercício e alimentação adequados e a correção de horários que possam estar desajustados, como a hora de deitar e levantar.

Damos aqui especial atenção à alimentação, procurando alimentos sáttvicos (criam emoções de paz e tranquilidade) e alguns rajásicos (criam mais actividade na mente), biológicos, com os atributos leve e quente, de fácil digestão, melhorando assim o metabolismo do trato digestivo (jatharagni), que resulta na desintoxicação física e mental.

Podemos ter como auxílio o uso de plantas medicinais como Arjuna, Ashwagndha, Amalaki, Shatavari, Brahmi, Vacha, entre outras. As especiarias também são importantes, por exemplo: gengibre, pimenta preta, curcuma, cravinho, coentro, cardamomo, cominhos.

As terapias mais eficazes são a massagem abhyanga, shirodhara, nasyam, swedana (terapia da transpiração).

Sattvavajaya – aumentar o estado de harmonia na mente, Sattva, e reduzir Rajas e Tamas. Para isto utiliza-se meditação, pranayamasasanas do yoga.

Exemplo:

Janu Sirsasana, esta pose vai estimular o fígado e os rins, acalma a mente e alivia a depressão.

Ustrasana, esta postura abre a anca e o coração, traz as emoções para cima e para fora do corpo, é um detox emocional.

Uttanasanasalambasana, sirsasana são também asanas adequadas para este fim, desde que a pessoa tenha condição física para as executar.

Divya Chikitsa – reduzir os karmas negativos, é a abordagem da alma e a sua relação com a mente. Utilizam-se mantras, pedras preciosas e rituais.

Muitas vezes as questões karmicas podem ter a ver com a Alma. Assim como nós vamos acumulando questões e traumas ao longo da vida, a alma pode trazer traumas pelas experiências que adquiriu ao longo da sua existência.

Em suma, devemos procurar ser felizes, fazer atividades que estejam em harmonia com o nosso corpo e a natureza, ter uma alimentação adequada à nossa constituição e estilo de vida, não abusar do estímulo sensorial e procurar cumprir a nossa vocação.

Este artigo pretende apresentar de forma geral a visão do Ayurveda sobre a depressão, não deve ser entendido como uma prescrição de tratamento, uma vez que este depende de um diagnóstico diferenciado e deve ser definido, caso a caso, por um Profissional de Ayurveda habilitado.

Autor: Joaquim Jorge