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Uma pequena introdução ao Ayurveda e à rotina diária

Todos nós de alguma maneira procuramos conservar a nossa saúde. Geralmente o nosso primeiro médico são os nossos pais ou a nossa avó, que nos tratam com a ajuda de um regime alimentar ou alguns chás de plantas, o que era suficiente na maior parte das vezes, pois eles davam muita importância à prevenção.

Mais tarde com o nosso crescimento temos tendência a abandonar estes hábitos e adaptarmo-nos a uma vida mais moderna, a viver no agora, confiando nos avanços tecnológicos da ciência. Desta forma, gradualmente a humanidade tem mudado os seus hábitos ancestrais de uma forma muito rápida. Esta mudança, na maioria dos aspetos, tem sido positiva, mas também trouxe alguns pontos negativos tais como, excesso de poluição, stress, o desmembramento dos laços familiares e, com isto, a perda da experiência familiar. Por isso atualmente cuidar da família tornou-se um desafio.

Um grande filosofo dos nossos tempos disse que o nosso primeiro trabalho é curar-nos a nós mesmos, depois a família, depois a comunidade, a nação e, finalmente, o Mundo (Rudolf Steiner fundador da Antroposofia).

Esta vida moderna, em determinadas alturas, leva-nos a questões, dúvidas e em certos momentos debatemo-nos com falta de respostas, umas vezes por uma questão de saúde física ou questões de sofrimento emocional ou psicológico, em que a medicina moderna com toda a sua tecnologia e conhecimento adquirido nos últimos cem anos, não dá uma resposta satisfatória.

Estimado leitor, venho através deste pequeno artigo dar a conhecer algumas gotas dum vasto oceano de conhecimento que é o Ayurveda. 

O que é o Ayurveda?

Ele é, talvez, o primeiro sistema organizado sobre conceitos de saúde, mas dizermos que é apenas uma medicina, estaríamos a ser reducionistas.

Ele é muito mais que isso, é uma maneira de estar e compreender o universo, abrange todo um conjunto de ciências que vão desde a filosofia, astrologia, ioga, arte, arquitetura, cirurgia,entre outros.O Ayurveda ensina-nos como conservar a nossa saúde física, mental e o bem-estar no dia a dia para vivermos uma vida longa e saudável.

Este conhecimento sobre a natureza humana foi descoberto pelos Richis (sábios) Ayurvédicos que viveram há milhares de anos na região onde hoje é o Paquistão e a India. Estes sábios, numa demonstração de amor, partilharam todo este conhecimento e os seus conselhos com a Humanidade, de uma forma oral e, mais tarde, através de vários textos.

Na Antiguidade este sistema teve grande impacto em várias culturas, por exemplo na medicina Chinesa, na medicina e filosofia grega. Sabe-se que Alexandre, o Grande, aquando das suas incursões na India acabou por trazer alguns destes médicos para o acompanhar e cuidarem dele.

Atualmente, além de ser reconhecida pela OMS (Organização Mundial de Saúde), na India ainda é um dos sistemas principais de saúde, tendo o seu próprio ministério que regula todas as práticas, AYUSH (Ayurveda, Yoga,Unani, Sidha, Homeopatic). A medicina Unani está mais dirigida para a cultura muçulmana e a medicina Sidha desenvolve-se mais na zona sul da India, na cultura Tamil.

“A comida de uma pessoa pode ser um veneno para outra.” Esta frase pode explicada pelo sistema do Ayurveda. Muitas vezes no nosso dia a dia verificamos que certas pessoas podem comer tudo e não engordam ou não lhes faz mal, enquanto para outros engordam ou ficam enjoados, só de a verem. O Ayurveda é um sistema que identifica cada individuo como um ser único, cada pessoa tem o seu próprio sistema metabólico e a sua maneira de digerir pensamentos e emoções.

O Ayurveda fala em três humores biológicos conhecidos por Doshas e em cinco elementos. A palavra dosha pode traduzir-se por aquilo que se que altera ou seja os elementos que estão em permanente mudança. Também podemos traduzir por “aquilo que obscurece” ou “danifica”, neste caso refere-se que ao desequilibrar os elementos pode originar uma doença.

Os doshas dividem-se em três:

VATA é a combinação do elemento Éter (espaço) e Ar. Ele representa a força por trás dos outros dois doshas (Vata é aquele que move as coisas). É responsável por equilibrar a energia, a respiração, o movimento, a perceção, o pensamento e a força de vontade.

Por exemplo: quando o ar não está limitado pelo espaço (exemplo: no oceano aberto) pode, em determinado momento,formar-se um furacão.

O ar confinado a uma caixa não se move, então fica estagnado.

PITTA ou dosha da força da vida é o movimento dinâmico entre dois elementos, água e fogo, simbolicamente significa transformação.

Esta natureza de transformação de Pitta (aquele que digere) pode ser observada no nosso corpo pelas enzimas do sistema digestivo e hormonal, que governam o metabolismo. Na nossa mente o dosha Pitta transforma os componentes químicos e elétricos em pensamentos.

O balanço do fogo e água é vital. Quando não existe água suficiente na panela, ele queima tudo o que está no interior. 

Mas se a panela tiver água a mais, ao ferver a água transborda por fora e apaga o fogo.

KAPHA, é a força que combina os elementos água e terra. Kapha (aquele que une) tem a função de lubrificar e nutrir.

Podemos concluir que estas três forças (doshas) Vata, Pitta e Kapha estão sempre envolvidas num movimento dinâmico, não só no nosso corpo, mas também durante toda a vida.

Este conhecimento específico das diferenças de individuo para individuo e dos seus humores permite analisar e escolher qual os melhores alimentos, como os cozinhar, quala melhor hora para fazer exercício, a profissão mais adequada, toda uma rotina diária e anual, de forma a manter o corpo equilibrado e saudável.

Dinacharya

Dinacharya e Ritucharya são termos usados em Swasthavritta (medicina Preventiva) num conceito de saúde.Estes termos literalmente querem dizer viver em harmonia com as alterações, ao longo do dia e ao longo do ano, respetivamente.

Ao longo do tempo os sábios da Índia perceberam que uma rotina diária é a forma mais poderosa de manter a saúde. Muitos de nós já realizamos certas rotinas de uma forma quase intuitiva, para estarmos em harmonia com a natureza e esta é a melhor forma de prevenção.

Para manter a saúde devemos compreender a importância do relógio biológico do ritmo Circadiano.Tudo ao nosso redor está em constante alteração o dia,noite, os ciclos Lunares, o movimento dos Planetas, das Estrelas e Constelações.

Os sábios aprenderam, através daobservaçãodo comportamento dos animais, das plantas, do vento, da energia do Sol, da Lua, das estações do ano e das estrelas, que o ser humano é influenciado por vários fatores, que vão desde a natureza que o rodeia, ao clima eàs estações do Ano.

Todos estes fatores interagem e influenciam a nossa estrutura biológica que regem as flutuações da temperatura corporal, a pressão arterial, a força muscular, todo o sistema hormonal, neurotransmissores e todos os processos metabólicos, como por exemplo o sono e o despertar.

O Ayurveda recomenda algumas práticas diárias como parte do regime de Dinachárya, com todos os benefícios que este proporcionaà saúde. Esta rotina abrange a parte mental e física, inicia-se no momento em que acordamos e inclui todas as atividades do dia, até nos deitarmos.

Antes de descrever este procedimento gostava de lembrar que quando estes processos foram desenvolvidos a humanidade não tinha o ritmo de vida que tem atualmente, as pessoas tinham uma vida mais calma, sem relógios, nem televisão ou internet e seguiam o ritmo solar. Atualmente, podemos observar que as pessoas da cidade têm um ritmo de vida muito mais intenso do que quem vive no campo.A minha sugestão é que, de acordo com a sua consciência e tempo, se ajuste gradualmente a um ritmo próximo do que é descrito.

É importante corrigirmos algum desequilíbrio que exista antes de iniciar esta Rotina Diária, mas de qualquer forma podemos seguir algumas linhas de orientação.

O Ayurveda divide o dia em 3 partes, de 4 horas, baseado na constituição do doshas. No entanto, devemos prestar atenção ao local onde estamos, pois em Portugal a duração do dia, em determinadas alturas do ano, é maior que na India e, por isso, é necessário o ajuste deste horário.

(Kumar V, G. (Janeiro 2016). Heritage Amruth. Drive your day with Dinacharya, p. 14)

Inicio do Dia

A melhor hora para acordar é entre as 4 – 6 horas da manhã, designado de período Brahma muhurtam, que ocorre no horário vata. Os nossos pensamentos estão claros e límpidos assim como os pulmões, que absorvem o ar puro da manhã. Durante este horário a natureza está em silêncio, serena, proporciona paz de espírito e nutre o nosso corpo com essa energia. Também é a melhor hora para meditar e estudar, pois absorvemos melhor o conhecimento.

De uma forma geral, a melhor hora para acordar é cerca de 30 a 40 minutos antes do sol nascer. No inicio podemos colocar um despertador, mas ao fim de algum tempo acabamos por acordar automaticamente.

Na India existe a tradição de ao acordar realizar certos rituais, tais como olhar para as mãos e depois suavemente fazê-las deslizar pelo corpo para harmonizar a aura.

Agradecer ao Universo ou fazer alguma oração, para quem for crente, de forma a termos um dia auspicioso e sermos mais sábios e coerentes.

Por exemplo:

“(Deus ou outra entidade) Agradeço, Tu que estás dentro de mim, na minha respiração, no interior de cada ave e em todos os seres, dentro de todas as montanhas.

O teu toque doce e suave alcança tudo e protege-me.

Obrigado Deus por este Dia Maravilhoso.

Que a Alegria, Paz e Compaixão façam parte da minha vida e de todos em meu redor neste dia. (Vasant Lad)

Depois desta oração toca-se no chão com a mão direita e, em seguida, com a mesma mão toca-se na testa, num estado de profundo amor e respeito pelo planeta.

Fazer as eliminações fisiológicas.

Lavagem do Rosto

Lavar a cara com água fria ou, no Inverno, com água morna, de forma a limpar e nutrir a pele.

Lavagem dos olhos

A lavar dos olhos com água fria de verão e morna no Inverno, para ajudar a equilibrar as desordens oculares e refrescar a vista e a mente. Pode-se usar um preparado específico e com um copo adequado para o efeito (existem há venda no mercado vários modelos destes copos), mergulhar os olhos nesse líquido:

  • Para os 3 doshas, em geral, pode ferver-se, durante 10 minutos, ½ colher de café de Triphala, em 200ml de água, deixar arrefecer e filtrar. Este preparado pode ser feito de véspera.
  • Para as pessoas de estrutura mais pitta, usar água em que ficaram demolhadas, durante a noite, pétalas de rosa.

Lavagem dos dentes

Escovar os dentes com uma pasta dentífrica ou pó, de acordo com o dosha, privilegiando os sabores adstringente, amargo ou picante.

Por exemplo, é aconselhado o uso de uma pasta dentífrica com à base de mangericão para Vata, neem para Pitta e mais picante para Kapha. Devem efetuar-se os movimentos de cima para baixo, sem magoar as gengivas.

Limpeza da língua

Ao fazer a limpeza da língua, retira-se todo o muco e as bactérias mortas que se acumulam durante a noite. Esta limpeza também estimula os órgãos internos e melhora a digestão. Segundo o Ayurveda a língua pode ser um indicador para avaliar o estado de toxidade do corpo. Atualmente existem nas farmácias várias escovas e raspadores de língua.

Devemos raspar, de trás para a frente, suavemente toda a superfície, 7 a 14 vezes.

No uso tradicional, o indicado seria a pessoa de constituição Vata usar um raspador de ouro, a pessoa pitta um raspador de prata e o kapha de cobre. O aço inox serve para os três doshas.

Bochechar/Gandusha

Esta técnica consiste em manter na boca um líquido, que pode ser leite, mel, óleo ou outro, de acordo com o recomendado pelo médico ou terapeuta, durante 3 a 8 minutos.

Habitualmente recomenda-se o uso de óleo de sésamo morno.

Esta prática melhora a estrutura das gengivas, fortalece os dentes, a sensibilidade ao sabor, tonifica as cordas vocais, refresca o hálito e ajuda a diminuir as rugas na face.

Deve-se bochechar durante alguns minutos, em seguida cuspir e depois massajar as gengivas suavemente com os dedos.

Como alternativa podemos massajar com pó de triphala (Embilica officinalis, Terminalia chebula, Terminalia bellerica), trikatu (Pipernigrum, Piperlongum, e Zingiber officinale), ou trijata (cardamomo, cravinho e casca de cravinho) e mel. No final bochechar com água morna.

Nasya

Nasya é a aplicação de uma substância medicinal através do nariz. Em Ayurveda diz-se que o nariz é a porta do cérebro, por isso a lubrificação dos seios nasais melhora a absorção de Prana, que se traduz num melhor estado de energia mental e físico.

Também melhora o olfato, pois ajuda a libertar o muco das vias respiratórias. Esta prática diária também melhora a respiração, dá força aos músculos dos ombros, previne as doenças dos olhos, nariz e ouvidos.

Devemos colocar um óleo morno (2 a 8 gotas) em cada narina,de preferência anutaila, que encontramos em qualquer loja de produtos indianos.

Especificamente para vata usa-se óleo de sésamo ou ghee com vacha (Acoruscalamus).

Para pitta ghee com brahmi, girassol ou óleo de coco.

Para kapha óleo se sésamo com vacha (Acoruscalamus).

O yoga usa uma técnica para lavar as narinas, designada de jala neti, que é feita com a ajuda de um pequeno recipiente, lota (existem vários modelos à venda no mercado). Esta lavagem deve ser feita antes da introdução das substâncias referidas anteriormente.

Para mais informações contactar um Profissional de Medicina Ayurveda ou Yoga

Autor: Joaquim Jorge